Causas e conseqüências do temido golpe de chicote cervical

António Ferreira

19 de Maio de 2013

“Ia a conduzir pela rua que atravessa a cidade. Não circulava rápido nem nada. Ia mesmo tranquilo quando, de repente, tive de travar porque um miúdo saltou para a estrada. Depois senti um forte embate na parte de trás do carro. O sujeito que vinha atrás de mim tinha-me batido. Ao princípio não senti nada mais a não ser o susto. Porém, a minha vida não voltou a ser a mesma desde aquele dia. Tudo me dói, não estou bem e, embora tenha visitado dezenas de médicos, nenhum me dá uma solução.”

Estas frases, tiradas da minha produtiva e imaginativa cartola, poderiam ter sido pronunciadas por qualquer um dos milhares de feridos ligeiros resultantes de algumas colisões consideradas de pouca importância, dessas que normalmente aparecem nas grandes estatísticas mas das quais sofrem diariamente muitos condutores e seus acompanhantes. Trata-se da lesão por golpe de chicote cervical, que pode chegar a afetar quase 30% dos sinistrados.

Mas o que é o golpe de chicote cervical? Designa-se com este nome o processo mecânico pelo qual algumas das estruturas que formam o pescoço sofrem uns súbitos movimentos que os médicos denominam de “hiperflexão e hiperextensão bifásicas”. Ou seja, quando o condutor ou os seus acompanhantes sofrem um forte embate no carro, facilmente sucede que alguns músculos do pescoço se comprimam de um lado e se estiquem para o lado oposto, voltando de imediato à sua posição inicial, como se se agitasse um chicote ao mais puro estilo do Indiana Jones. Daí, o nome deste fenómeno, que é especialmente grave em colisões traseiras, mesmo a baixas velocidades, e em choques laterais. De facto, o golpe de chicote não é mais que um processo mecânico, mas quando este se produz de forma quase instantânea, o pescoço tende a lesionar-se.

musculos_del_cuelloPara entender o possível alcance de uma lesão por golpe de chicote cervical há que ter em conta que o pescoço é um estreito canal móvel formado por vértebras, articulações, ligamentos e músculos pelos quais passam nervos, vasos sanguíneos, o esófago, a traqueia e a medula. Com tudo isso metido lá dentro, não é preciso ser-se muito experiente para entender que uma aceleração brusca ou uma desaceleração repentina, como a que se sofre mesmo na menor das colisões, danifique algumas das estruturas que compõem o pescoço, tanto na musculatura como nalguma outra vértebra que pode acabar por se fraturar por esmagamento.

O espectro de lesões pode ir desde o simples entorse leve até ao seccionamento medular com tetraplegia. E não de estranhar que nas crianças as lesões sejam mais graves devido à desproporção entre cabeça e tronco, o que aumenta as possibilidades de que o pescoço sofra quando tem de fazer frente a um golpe de chicote. Em qualquer caso, um simples entorse pode manter-nos fora de acção durante varias semanas, já que o processo de recuperação costuma ser lento e exigir imobilização. Por isso, costuma ser incompatível com a condução. Normalmente esta lesão manifesta-se através de uma dor muscular acompanhada de uma certa rigidez que responde à necessidade que o organismo tem de manter imóvel a zona afetada.

Mas do golpe de chicote cervical podem resultar outros danos, como dores de cabeça, náuseas, tonturas, desequilíbrio, dor cervical, formigueiros nos braços… E à medida que o tempo passa e a pessoa afectada vê que estes problemas não se solucionam, surgem problemas como as mudanças de humor, que podem chegar à ansiedade e à depressão, e todas as consequências sociais, familiares e laborais que se podem adivinhar. Na verdade, uma baixa laboral motivada por uma lesão derivada de um golpe de chicote cervical pode durar mais de três meses. Por isso, não é de estranhar que alguns feridos ligeiros vítimas de uma simples colisão traseira acabem por perder o trabalho, agravando-se assim o seu estado anímico.

Golpe de chicote cervical

Como prevenir o golpe de chicote cervical?

Vale a pena passar por este calvário? De todo, não. No entanto, embora a tecnologia nos ajude cada vez mais a mitigar o problema do golpe de chicote cervical com a crescente presença de apoios de cabeça nos veículos, o certo é que ainda há um longo caminho a percorrer até que a protecção que se dê à cabeça seja tão eficaz como a do que resulta do cinto de segurança segurando o tronco do condutor e de seus acompanhantes.

Precisamente por isto, os melhores conselhos que se podem dar para evitar as lesões derivadas de um golpe de chicote cervical são os seguintes:

– Sentarmo-nos corretamente. Uma má posição no assento, como a que adotam involuntariamente os nossos acompanhantes quando adormecem ou como a que assumem muitos condutores ao agarrarem o volante apenas com uma mão, pode agravar as lesões causadas por um golpe de chicote cervical.

– Manter a distância de segurança. Se um condutor em dificuldades que nos segue a meio palmo de distância nos alcança, seguramente sofreremos um bom golpe de chicote. Mas se nós não guardámos uma distância de segurança suficiente, o mais provável é que acabemos por nos enfaixar num pobre infeliz que não tem culpa de que nós estejamos ali e também agravaremos a nossa lesão por forçarmos o pescoço, não com um golpe de chicote mas com dois. Isto acontece habitualmente quando há atrasos no trânsito e os condutores não deixam espaço suficiente entre os veículos. Chega um condutor em despiste, choca com o último carro da fila e este, por sua vez, embate no seguinte: Duplo golpe de chicote cervical, é quase garantido.

– Antecipar-nos ao problema. Se nos acostumarmos a observar o que nos rodeia, especialmente os veículos que nos seguem, seremos capazes de prever e até de assistir em tempo real a uma colisão traseira. Ainda que tal não seja agradável, pode servir-nos saber que alguém está a ponto de colidir contra nós para protegermos o nosso pescoço. Como? Pondo em tensão os músculos do pescoço, o que criará uma almofada cervical natural que até certo ponto nos protegerá.

Se, apesar de tudo, sofremos uma colisão traseira, nunca será demais sermos vistos por um médico. Há que ter em conta que uma lesão derivada de golpe de chicote cervical nem sempre se manifesta de forma imediata, mas pode ficar latente e aparecer ao fim de umas horas ou até um dia depois, sob a forma de dor e rigidez muscular. Quanto mais cedo tratarmos a questão da saúde, melhor. E, se há alguém não seja muito amigo de recorrer a uma consulta, quanto mais cedo tivermos um atestado médico que explique o ocorrido, mais claramente poderemos argumentar sobre a nossa lesão perante as seguradoras.

Conselhos | Dr. Josep Serra
Foto | PunkJR, Olek Remesz