Coronavírus: uma descida de poluição tão excecional como perigosa

Ines Carmo

3 de Abril de 2020

A crise atual causada pelo novo coronavírus (CoVid-19) e a declaração do estado de emergência fez com que houvesse uma diminuição histórica no trânsito e nas emissões contaminantes. As estações de monitorização da qualidade do ar, tanto em Madrid, Barcelona ou também em Lisboa vêem os números a descer a um ritmo frenético, tal como já tinha acontecido na China. Um sonho, no meio de um pesadelo.

A questão é que não é necessariamente uma questão positiva. Primeiro porque é uma situação transitória, longe da normalidade e com consequências devastadoras a longo prazo. O segundo motivo, de que falam os especialistas é a possível retoma da poluição que futuramente advirá.

Além disso, e como acontecerá em tantas outras frentes económicas, vai atrasar o desenvolvimento de uma mobilidade sustentável com a qual já nos íamos comprometendo. Contudo, vejamos até que ponto se está a produzir uma descida real de emissões.

Quanto diminuiu o trânsito devido ao coronavírus?

De acordo com os dados da DGT espanhola, o trânsito nas estradas do país vizinho diminuiu em cerca de 70%. O impacto do coronavírus nota-se nas cidades que tinham esta semana grandes avenidas sem carros a circular.

Segundo o jornal Expresso, “tanto em Lisboa como no Porto, o número de utilizadores ativos do Waze durante a hora de ponta caiu quase 90% em duas semanas”.

A forte quebra do tráfego resulta do dever de recolhimento e do fecho da maioria das atividades comerciais, o que tem, segundo a plataforma de mobilidade urbana Moovit, citada pelo site www.dinheirovivo.pt, “mais impacto nos transportes públicos da cidade do Porto do que em Lisboa”. Tendo como comparação o dia 15 de Janeiro, “no Porto, até quarta-feira, 25 de março, a quebra dos transportes públicos foi de 81,4%”, enquanto que em Lisboa a quebra foi de “72,8%. Em comparação com as duas principais cidades espanholas (Madrid e Barcelona), Lisboa é a cidade que sai menos penalizada nas contas da Moovit. Em sentido contrário, a capital espanhola foi a que registou maior descida nos transportes públicos, tendo deixado de circular 86,4% dos veículos que habitualmente utilizam as estradas de Madrid”.

Os dados da Área de Meio Ambiente e Mobilidade da Administração Regional de Madrid – cidade que sofre de forma grave esta situação – dão conta de que:

  • A 13 de março se constatava uma descida de 23,7% do trânsito no interior da circular M-30; 25,6% na própria M-30; 33,4%, nos arredores.
  • A 17 de março a quebra foi até aos 64% no interior da M-30; 59,6% na M-30; e 63% nos arredores.
  • A 19 de março consolidou-se a descida, ao registar-se menos 69,2% de trânsito na área interior da circular; 65,3 % na própria M-30 e 64,7% nos arredores.

Pandemia obriga a compensar concessionárias de autoestradas

A CoVid-19 já está a provocar ainda mais despesas ao Estado, especialmente no que toca aos contratos com as concessionárias das auto-estradas. De acordo com o Jornal de Negócios, estas “já estão a notificar o Estado da ocorrência de um caso de força maior, como é a pandemia. Uma cláusula dos contratos que as exonera de responsabilidade em caso de incumprimento e lhes garante a reposição do equilíbrio financeiro”.

Descida histórica das emissões poluentes

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Os números anteriores tiveram um impacto direto na qualidade do ar. Todas as estações de medição de agentes poluentes da capital espanhola notam que as emissões desceram a pique. No caso das medições, há outras variáveis que influenciam de forma determinante outras variáveis como o clima. A descida foi ainda mais acentuada porque este último fator o proporcionou.

Os cinco distritos de Madrid ostentaram, durante os cinco dias da primeira semana de confinamento, uma situação do ar, qualificada como «muito boa».

Estes níveis podem ver-se claramente através das imagens dos satélites da Agência Espacial Europeia (ESA), em concreto para o sul do continente, comprovando-se que antes de Madrid, o ar do Norte de Itália viveu a mesma situação.

A estimativa para Espanha é que a qualidade do ar tenha melhorado em 35% (na China a redução foi aproximadamente de 25%). Não só em Madrid se notou a descida. Também em Barcelona, de acordo com a informação publicada pela Generalitat, o dióxido de nitrogénio no ambiente também se reduziu a metade em apenas três dias.

Coronavírus: Situação em Lisboa

O Correio da Manhã aponta que os níveis de poluição na Avenida da Liberdade, em Lisboa, “tiveram na última semana uma redução de 60% em relação ao período homólogo, registando-se as concentrações mais baixas dos últimos sete anos, segundo um estudo da Universidade Nova”.

Entender a descida a longo prazo

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Toda esta situação fez com que as cidades suspendessem as diferentes medidas anti-poluição porque, com este panorama, é necessário repensar este tipo de recursos. Assim, o concelho de Barcelona suspendeu as multas relacionadas com as áreas de prioridade e a poluição.

A crise sanitária está a afetar a mobilidade em áreas diferentes. Em termos de poluição, já está provado que o coronavírus purificou o ambiente de agentes provenientes do transporte. Estes supõem um perigo para a saúde pública. São causadores de mortalidade e vários outros problemas.

Ainda assim, estas diminuições temporais no trânsito e nas emissões provocadas pela crise sanitária não perdurarão, nem irão resolver os problemas da qualidade do ar nos anos que aí vêm.

O risco do efeito de retorno

As prioridades de saúde pública mudaram em poucas semanas. Devido a isto, a poluição vai estar em segundo plano durante um grande período de tempo. A anterior crise económica dá-nos uma previsão do que poderá acontecer. Enquanto durou, também se reduziram emissões. Ainda assim, logo que amainou a tempestade, ficou patente um efeito de retorno que elevou os níveis de contaminação.

Assim o demonstram, por exemplo, as emissões de dióxido de carbono (CO2) libertadas para a atmosfera no mundo, entre 2008 e 2011. Estas estão muito relacionadas com o transporte e servem para medir o seu nível de atividade. A descida causada pela crise económica em 2009 esfumou-se em 2010 com uma nova e crescente tendência.

Segundo o secretário geral das Nações Unidas, António Guterres, o vírus não é uma solução para fazer frente às alterações climáticas. O próprio afirma que não se “sobrestime” a forma como a epidemia irá reduzir as emissões. De qualquer modo é um problema que terá de esperar para ser resolvido.

Fonte: CirculaSeguro.com

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