Motos: estará a faltar formação para diminuir a sinistralidade?

Ines Carmo

27 de Janeiro de 2018

Numa altura em que os números da sinistralidade rodoviária em motociclos andam nas bocas do mundo, «estalou o verniz» na polémica sobre a falta de formação dos condutores que já têm carta de ligeiros. Será uma coisa a causa da outra?

É do conhecimento geral que tem carta de condução B pode conduzir, além de veículos ligeiros, motos até 125cm3 de cilindrada:

“Veículos de categoria A1, se o titular for maior de 25 anos ou, não o sendo, se for titular da categoria AM ou de licença de condução de ciclomotores:

– Motociclos de cilindrada não superior a 125cm3, de potência máxima até 11kW e relação peso/potência não superior a 0,1kW/kg
– Triciclos com potência máxima não superior a 15kW
– Triciclos a motor de potência superior a 15kW, se o titular for maior de 21 anos”

Quer isto dizer que, à excepção dos motociclos mais potentes, basta chegar à loja e comprar uma moto para poder andar nela. Mas estará um condutor que aprendeu a conduzir um ligeiro de passageiros apto a passar para as duas rodas sem qualquer aprendizagem?

Os números da sinistralidade rodoviária, apresentados pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, dão conta de um aumento das vítimas mortais em veículos de duas rodas e o Ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, já avisou que pretende “repensar a dispensa de qualquer formação para quem, tendo uma carta de ligeiros, pode comprar uma mota até 125 cm3 de cilindrada e imediatamente sair para a estrada”.

Reacção da ACAP e FMP

Ora, a Associação Automóvel de Portugal (ACAP) e a Federação de Motociclismo de Portugal (FMP) não gostaram de ouvir as declarações do governante e quiseram esclarecer, em comunicado, que:

“Apesar de se ter verificado um crescimento do número de acidentes com vítimas mortais em veículos de duas rodas a motor face ao período homólogo de 2016, o mesmo não se traduziu num aumento da taxa de sinistralidade, nem que existe uma relação de causalidade entre a Lei das 125cc e o aumento do número de vítimas, pelas seguintes razões:

1. A Lei das 125cc (Lei n.º 78/2009), aprovada por unanimidade na Assembleia da República, resultou da transposição da Directiva n.º 91/439/CEE, tendo sido Portugal um dos últimos países a adoptá-la, em Agosto de 2009.

2. Desde essa altura, e ao inverso do que tem sido afirmado, a taxa de sinistralidade tem diminuído de forma constante e sistemática.

3. Os dados estatísticos disponíveis não evidenciam que o aumento do número de acidentes com vítimas mortais ocorra no segmento dos motociclos até 125 cm3, representando estes uma pequena percentagem do número total de mortes.

4. O aumento do número de vítimas mortais em 2017 envolvendo os veículos de duas rodas a motor deve-se, essencialmente, ao chamado “efeito estatístico de base”, ou seja, decorre do facto de o período homólogo de 2016, que serve de base de comparação, ter sido o mais baixo de sempre.

viagem de moto

5. O parque e o tráfego de motociclos cresceram significativamente nos últimos anos, acompanhando a tendência registada na Europa de procura de veículos dotados de maior mobilidade, economia e contributo para a descarbonização.

6. Apesar do aumento da circulação de motociclos, o número de vítimas mortais em percentagem do parque circulante tem vindo sistematicamente a diminuir nos últimos anos e este dado é que é importante.

7. O número de vítimas mortais em percentagem do total de acidentes envolvendo veículos de duas rodas com motor tem vindo a reduzir-se significativamente, tendo passado de 3% entre 2000 e 2005, para 2% entre 2006 e 2014, e, finalmente, para 1% entre 2015 e 2017.

8. Por último, salientamos a importância da utilização de veículos de duas rodas, que cumprem os mais exigentes critérios em matéria ambiental e de segurança, contribuindo para a redução das emissões de CO2 e para uma melhor mobilidade dos cidadãos, bem como para uma melhor gestão dos espaços urbanos, designadamente do tráfego e do estacionamento, por parte das autarquias.”

«Lei das 125», será a culpada da sinistralidade com motos?

Do outro lado da barricada, há várias figuras que não hesitam em pôr o dedo directamente na ferida: A culpa é da chamada lei das 125, dizem, um diploma de 2009 que foi aprovado por unanimidade no Parlamento e que dispensa a generalidade dos detentores da carta de ligeiros de qualquer formação obrigatória ou exame.

Entre as vozes que se fazem ouvir, a do presidente do Automóvel Club de Portugal (ACP), Carlos Barbosa, que, em declarações ao semanário Expresso, diz que o aumento brutal de sinistros com motos deve-se em boa parte à falta de habilitação para conduzir. Devia ser obrigatório fazer um exame para se poder conduzir uma 125cc, tal como existia antigamente para as motos de 50cc”. O responsável indica ainda “o disparate que foi a permissão de circulação nas faixas Bus” como outra das causas para o aumento da sinistralidade, pois segundo ele é “altamente perigoso colocar motos nesses corredores e o resultado está à vista”

Com a Lei das 125, o facto é que as vendas de motociclos dispararam, mas para o presidente da Prevenção Rodoviária Portuguesa, José Miguel Trigoso, isso não é motivo para tamanho aumento no número de mortos. Uma das hipóteses que admite é o aumento do número de quilómetros percorridos graças à grande quantidade de dias de sol que houve em 2017, levando, em consequência, a mais acidentes.

Cabe a cada condutor a introspeção sobre as capacidades individuais de condução e ainda sobre os comportamentos de risco sobre duas rodas, a par da frequente falta de equipamento de segurança.

Fará a formação toda a diferença?