Duarte Paulo

17 de Março de 2014

Em 2010 o Comando-geral da GNR emitiu uma nota interna a todos os comandos territoriais, que foi polémica, nele constava que a cobrança de multas é obrigatória no ato de verificação da infração ao Código da Estrada. Afirmando ainda que a forma de notificação não podia ficar ao critério do agente. Portanto deveria ser efectuado o pagamento da multa na hora.

No ano seguinte é aprovada uma proposta de lei que altera normas declaradas inconstitucionais no Código da Estrada, passando a prever que os condutores, supostamente infratores, entreguem o valor da coima, a título de depósito, à autoridade que os autuou.

A evolução legislativa

No caso particular da GNR esta chamada de atenção aos militares daquela força e com conhecimento à Inspeção da Guarda, surgiu numa época em que ocorreu uma “redução substancial do número de autos levantados pela GNR e, consequentemente, das receitas com a cobrança das multas.

Recordemo-nos que em 2008 ocorreu a reorganização da GNR com a consequente extinção da Brigada de Trânsito, no ano seguinte, foram levantados 400 mil autos, uma redução de 150 mil e um número abaixo da média dos últimos quatro anos, em que foram levantados cerca de 500 mil autos. Consequentemente a receita da cobrança de multas também desceu de forma acentuada.

O ministro da Administração Interna criou um grupo de trabalho, para fazer a avaliação da reorganização da GNR em matéria de fiscalização de trânsito, no relatório desse grupo admite-se que, em 2009, houve “menor eficiência e eficácia” em termos de contraordenações.

“Repressão às infrações rodoviárias”

Este fato foi o motivo para que o governo da época, liderado pelo primeiro-ministro José Sócrates, em conjunto com o Comando da Guarda, ficasse alerta e fizesse chegar a todos os postos o dito documento, que em jeito de aviso, chamava a atenção para a necessidade de “melhorar a rentabilidade dos processos, dos meios, dos custos e da eficácia operacional e repressão às infrações rodoviárias”.

O documento foi assinado pelo comandante operacional, tenente-general Meireles Carvalho, nele os militares são recordados que o artigo 173.º do Código da Estrada obriga a que as coimas sejam pagas “no ato da verificação da infração”, naturalmente no seguimento do levantamento do auto de contraordenação e notificação do infrator.

Segundo o que o Jornal de Noticias (JN) apurou na época junto da GNR, o que estava a acontecer é que mais de 60% das notificações estavam a ser feitas por correio, com as “consequências negativas” que daí derivam, como o facto de aumentar a burocracia e os custos mas o fator mais negativo prendia-se com o fato de que “na maioria das vezes o verdadeiro autor da infração não ser efetivamente sancionado”.

Militares obrigados a cobrar

O Comando-geral da GNR destacava nesse documento que os militares que não tinham o “poder discricionário” de proceder ou não ao levantamento do auto de contraordenação ou de escolher o momento e o modo de notificar o arguido e lembra que “a norma vigente é de natureza imperativa, não permitindo exceções.

Outro dos problemas apontados é a natureza das matérias fiscalizadas. Segundo o Comando Geral, “em muitos postos territoriais, a maioria dos autos são por infração às normas de estacionamento e paragem irregular”, enquanto nos destacamentos de Trânsito “uma boa parte” prende-se com a infração às normas de velocidade, cujo controlo é efetuado sem interceção, ou seja, por radar.

O Comando-geral questiona nessa mesma altura o porquê de estarem a ser deixadas de fora matérias intimamente ligadas aos níveis de sinistralidade, como a habilitação legal para conduzir, o álcool, as manobras perigosas, cintos de segurança e utilização indevida do telemóvel.

Este reparo é dirigido aos comandantes de destacamento, segundo afirmou Manuel João Ramos, da Associação de Cidadãos Auto-Mobilizados (ACA-M), em declarações ao JN, pois desde a reorganização da GNR, os comandantes estão mais preocupados em ter melhores folhas de serviço, com mais multas passadas”, em vez de atuar preventivamente, com a necessária fiscalização humana.

Depósito em vez de pagamento

De acordo com a resolução do Conselho de Ministros, atualmente os condutores supostamente infratores podem entregar o valor da coima a título de pagamento, o que supõe a admissão da culpa, ou a título de depósito.

Nos casos em que são entregues a título de depósito, os condutores podem contestar posteriormente a sanção. Contudo, na data da criação desta resolução considerou-se que “na generalidade das vezes, os condutores não são devidamente informados desta opção” e o Governo, para “evitar incidentes processuais” propôs que a quantia seja sempre entregue “a título de depósito”.

Então foi determinado que “o depósito só se converte em pagamento final da coima quando não for apresentada contestação ou, quando seja apresentada contestação, com a decisão final condenatória”. A quantia deverá ser entregue imediatamente ou no prazo máximo de 48 horas.

Foto | Born1945