Qual a real função dos limites de velocidade nas estradas portuguesas? (parte 2)

André Serrano

14 de Maio de 2015

No seguimento do meu artigo da semana passada esta semana trago-vos a continuação deste tema que gerou muita procura e muitas visualizações, porque afinal de contas todos queremos saber qual a função dos limites de velocidade, é realmente para a nossa segurança ou simplesmente para a caça à multa.

Quando a velocidade se torna um fator de risco?

Respondendo de modo direto: quando ela é inadequada às condições de trânsito. Estamos acostumados a falar sempre em “excesso de velocidade”, o que dá a impressão de que somente as altas velocidades são perigosas, mas você não precisa estar acima dos limites para ter uma situação de risco — é por isso que o  nosso código de trânsito prevê uma velocidade mínima para cada tipo de via.

Como vimos na parte 1, quando o limite imposto for baixo demais para as condições (e não houver fiscalização ostensiva), a maioria dos motoristas viajará em velocidades superiores ao limite, enquanto alguns poucos irão respeitar o limite — por obediência às leis, ou por achar que aquela é a velocidade natural para sua viagem.

O risco, contudo, não é a infração dos limites, e sim as diferenças de velocidade resultantes desse comportamento observado. Imagine uma multidão de pessoas caminhando à mesma velocidade quando, repentinamente, uma delas para. A multidão “atropela” a pessoa que parou, não é verdade? Agora substitua “pessoas” por “carros” e o conceito ficará mais claro.

Quem explica isso é o estudo publicado por David Solomon em 1964 nos EUA, conhecido como “Crash Risk Curve”, que pesquisou a relação entre a velocidade média e os índices de colisões.

Solomon observou mais de 10.000 carros e os seus motoristas tal como as condições do veículo, via e outros motoristas afetam as probabilidades de acidentes. Ele descobriu que a probabilidade de se envolver num acidente em relação à velocidade forma um gráfico em U, no qual as velocidades mais próximas do ponto médio (velocidade média) são aquelas onde há menos chances de acidentes. Quanto mais as velocidades se afastam deste ponto médio — seja para cima ou para baixo —, maior o risco de acidentes.

Note que a variação de 20 mph abaixo do ponto médio (zero) tem mais chances de acidentes do que uma variação de 20 mph acima do ponto médio

Colocando em prática: se em uma estrada com velocidade média (operacional) de 85 km/h for estabelecido um limite de 50 km/h, as pessoas continuarão a conduzir a 85 km/h (a menos que haja fiscalização), e quem circular a 50 km/h, só se tornará um elemento de risco para aqueles que transitam a 85 km/h, pois ele estará muito abaixo da velocidade média da via.

Da mesma forma, uma moto que circula a 70 km/h no “corredor” de carros parados ou a 30 km/h, tem mais chances de se envolver num acidente do que andando num comboio a 30 km/h ou a 70 km/h. Você ficaria surpreso ao saber que 44% das mortes anuais nas estradas portuguesas são resultantes de acidentes com motos e motociclos?

Não estou a dizer que andar devagar é perigoso, nem a dizer que devemos acelerar o máximo possível. O que pretendo aqui é esclarecer que nem todos os limites impostos estão corretos e nem sempre a redução dos limites traz segurança. O enfoque da segurança deve estar na adequação dos limites à velocidade operacional, a velocidade deve ser adequada à via, se o condutor não sentir necessidade de abrandar, não o vai fazer mesmo que o limite seja mais baixo.

UK_50_mph_speed_limit_sign_on_a_single-carriageway

 

A engenheira Lúcia Brandão na mesma entrevista à Perkons: 

Assim, tendo em vista a importância da velocidade operacional para a definição da velocidade regulamentar (limite) para a via (…), é importante identificar como as características gerais da geometria viária afetam a velocidade operacional. (…) Esta identificação contribui para o estabelecimento de velocidades limites mais realistas e que possam assim ser mais naturalmente obedecidas pelos usuários e, com isso, reduzir o número e a severidade dos acidentes em estradas causados pelo factor velocidade.

Certamente o leitor já começa a saber a resposta à pergunta deste artigo, “Qual a real função dos limites de velocidade nas estradas portuguesas?”, em grande parte dos casos o limite mais baixo que o normal é simplesmente para caçar a multa, que a propósito existe uma petição com o propósito para acabar com os radares escondidos com o simples objetivo de caçar a multa. Veja o meu artigo da petição que quer acabar com a caça à multa.