A questão do “cone de aspiração”

António Ferreira

24 de Janeiro de 2014

Diariamente, em todas as autoestradas, podem ver-se camionistas que circulam muito próximos uns dos outros, ou carros suspeitosamente colados a autocarros, camiões ou a outros carros. Porquê? Estão a aproveitar o “cone de aspiração”, ou, por outras palavras, estão a beneficiar de uma baixa resistência aerodinâmica, seja por interesse seja por negligência na condução. Quando circulamos, o veículo tem que vencer o atrito que gera, o gerado pelo piso e a resistência do ar. Em toda a atmosfera estamos rodeados de ar, que, naturalmente, tem massa e provoca atrito e resistência.

Um automóvel está constantemente a deslocar o ar que existe à sua frente e que choca com os seus para-choques, capô, retrovisores, para-brisas, tejadilho… Quanto maior a superfície exposta, quanto pior for o coeficiente de penetração aerodinâmica e quanto maior a velocidade, mais potencia é necessária. Um utilitário de 180 cavalos é uma autêntica bala, contudo, um todo-o-terreno, supondo que pesassem o mesmo, nunca poderia alcançar a mesma velocidade com os mesmos 180 cavalos, apesar de ambas as prestações serem normais.

Os veículos todo-o-terreno não só gastam mais devido ao seu sistema 4×4 (gera mais atrito) como também devido à sua pouca aerodinâmica. Por um lado têm carrocerias grandes e, por outro, as suas carrocerias são mais altas em relação ao solo, oferecendo maior resistência à marcha. É por esse motivo que os carros de competição têm o mínimo possível de altura. Da mesma forma, existem modelos de carros de estrada desportivos com suspensão rebaixada e modelos “roadster”, que geram menos resistência.

aerodinamica

Pois bem, quando se circula atrás de um veículo com o mesmo tamanho ou maior, esse veículo vai a fazer o esforço de separar o ar e de o atirar para os lados. Assim, o fluxo de ar que atinge o veículo de trás é tão menor quanto mais próximo estiver a circular do veículo da frente, fazendo com que a resistência aerodinâmica seja muito menor. A consequência imediata desta situação é que o consumo do motor diminui e, quanto maior for a velocidade, mais ele baixa.

Vejamos três formas de aproveitar o “cone de aspiração”:

  • “Cone de aspiração” económico: Como os combustíveis estão caros, há que poupar. Uma forma muito eficiente de baixar o consumo na autoestrada é procurar um camião, um autocarro, um todo-o-terreno ou um SUV alto e colocar-se muito próximo da sua traseira, para que nos poupe ao esforço de afastar o ar. A desvantagem deste método é que somos obrigados a viajar à mesma velocidade que esse veículo, o que também é uma poupança. Outra desvantagem: É extremamente perigoso.
  • “Cone de aspiração” a autoestrada é minha: Há condutores que não sabem ou que não querem saber que as vias públicas são para utilização de todos e que todos temos direitos e deveres. Quando um destes condutores se depara com a via da esquerda da autoestrada ocupada, coloca-se, com ou sem sinais de luzes, a um ou dois metros do para-choques do carro da frente à espera que o deixem passar porque, afinal de contas, a autoestrada é toda dele. Enquanto não o deixarem passar, estará a poupar combustível, compensando o que gastou por estar com pressa e ir mais rápido.
  • “Cone de aspiração” por ignorância: Esta é a que praticam todos os condutores que usam a versão económica ou similar e que não sabem o que pode ocorrer quando se circula tão próximo de outro veículo. Tudo isto tem muito que ver com o tempo de reação.

Um adulto de 20 a 30 anos, sem problemas psicológicos nem físicos, desperto e nas melhores condições, desde que o seu sistema nervoso percebe algo até que tem uma reação motora muscular demora nunca menos de ¾ de segundo, ou seja, 0,75 segundos. Esse é o tempo de reação, que pode aumentar em função do estado anímico, reflexos, estado de saúde, idade, consumo de álcool ou de drogas. Durante esse lapso de tempo, em linguagem corrente, o carro vai a andar sozinho.

Distancia de segurança

Vamos exemplificar. Imagina que circulas atrás de um furgão, que transporta caixas, a 100 Km/h. O teu estado físico e psíquico é perfeito. De repente, a porta do furgão abre-se acidentalmente e uma das caixas cai para a autoestrada. Os teus olhos percebem o movimento, passam a informação para o cérebro e este toma a decisão de mover o pé direito para pisar o travão. Desde que se manda a ordem, através da espinal medula até ao músculo em questão e se pisa o pedal do travão, passaram 0,75 segundos durante os quais o teu carro percorreu 20 metros sem nenhum controlo.

Se fores a viajar aproveitando o “cone de aspiração” do furgão a menos de 20 metros, a caixa vai colidir contra o para-brisas sem que consigas ter qualquer reação. Porque devemos guardar uma distância de segurança? Porque considerando o tempo de reação, há que deixar espaço suficiente não só para reagir mas também para que o automóvel possa parar sem colidir com o veículo da frente. Existem inúmeras razões para o automóvel que vai à nossa frente ter que travar. Justificadas ou não, elas existem.

distância de detenção = distância de reação + distância de travagem

Quanto maior for a velocidade, maior deve ser a distância de segurança. Pensa que a 130 Km/h, durante o tempo de reação, o automóvel percorre sem controlo 27,8 metros, a 150 Km/h percorre 31,25 metros e a 200 Km/h percorre 41,6 metros.

Quando vejo dois veículos “colados” na autoestrada, sinto receio, especialmente se for dentro do veículo que vai à frente. Um mínimo toque no travão e iremos colidir porque não haverá tempo de reação para o automóvel que vai atrás. Por todos os motivos, não vale a pena uma poupança de uns poucos litros de combustível aos 100 Km se por isso nos pudermos matar.

Aproveitar o “cone de aspiração” em jogos de condução pode ser divertido e dá-nos pontos ou maior aceleração, mas com um veículo a sério as consequências de não guardar a distância de segurança não são nenhuma brincadeira. Só há uma ocasião em que não é prudente guardar a distância de segurança que é quando se faz uma ultrapassagem, manobra que deve durar, por definição, o menor tempo possível. Neste caso, é mais seguro ir um pouco “colado” considerando contudo o que está para além do condutor da frente que se vai ultrapassar.

Além disso existe outro motivo interessante para manter a distância de segurança. É uma manobra que é sancionável, podendo ser mandados parar e multados por isso, já que estamos a colocar em perigo os outros condutores e a nós próprios. Se tivermos a má sorte de a nossa distância de segurança ser ocupada por um apressado, sejamos racionais e separemo-nos. Se acelerarmos para que ele não se “cole”, estaremos a criar uma situação de perigo.

Foto | Peter Huys