Comprou um carro novo, brilhante e apelativo, por satisfação passa a noite à sua volta, delicia-se com as linhas da carroçaria, acaricia os interiores, descobre a função dos botões, dá mais uma volta ao seu redor e vai dormir.
No dia seguinte são os vizinhos, os amigos, os bisbilhoteiros a vaguear em volta do carro para felicitá-lo pela aquisição e lá começam os conselhos, cuidado com a rodagem, alguém afirma: “Não dê mais de 80km/h por hora até que ele tenha 1000 quilómetros”, outro diz “Nunca passes de 3000 rotações na rodagem”, mas afinal que devemos fazer na rodagem? Deve mesmo ser feita?
O ritual de efetuar a rodagem num carro novo parece ser qualquer coisa a que nos podemos referir como uma “sabedoria” recheada de tradições e mitos, logo, não totalmente correta, e claro que a tecnologia de construir um automóvel moderno evoluiu ao ponto de muita dessa “sabedoria” se ter tornado obsoleta.
Poucas marcas especificam um procedimento de rodagem, simplesmente advertindo para evitar a aceleração extrema, ou ainda referem para evitar manter o motor a trabalhar, a baixos regimes, de forma prolongada desnecessariamente nos primeiros mil quilómetros.
Alguns fabricantes já nem indicam como obrigatória uma mudança de óleo após os primeiros 1000 quilómetros, adiando a primeira mudança de lubrificante para os 5000 ou 10 000 quilómetros. Por curiosidade, no folheto das primeiras motorizadas Vespa, diziam para parar 5min, de 50 em 50 km. Para arrefecer e não era só na rodagem, era sempre!
O porque da rodagem do ponto de vista mecânico
Durante os primeiros minutos de operação do motor, é importante que o acelerador não seja pressionado na sua totalidade, deixando o motor rodar a rotações mais baixas de forma a fornecer alta pressão, caso contrário os segmentos não ficarão corretamente encostados às paredes do cilindro, o que levará a um consumo excessivo de óleo e a uma redução da vida útil do motor.
A indicação para manter as rotações baixas é originária dos dias em que as tolerâncias de produção do motor eram muito menos rigorosas e o óleo lubrificante não era tão bom quanto o atual.
Atualmente os motores modernos são construídos com tolerâncias muito mais apertadas, significando isso que a variação de motor para motor é menor, reduzindo a possibilidade de ocorrer uma falha por erro de construção.
De qualquer forma, levar as rotações ao vermelho num motor novo é geralmente uma má ideia, mas não há nenhuma razão para não conduzir normalmente.
O óleo geralmente parece-se mais com uma tinta metalizada, com aquele brilho iridescente, devido às partículas minúsculas de metal desgastado retiradas das superfícies internas dos novos motores, pois, após algumas horas de operação, este fenómeno, completamente normal, diminui quando os segmentos, pistões, árvore de cames e rolamentos ficam com as superfícies de contacto polidas.
A redução da necessidade de rodagem deriva também do material que compõe o motor, por exemplo, alguns blocos recentes são de alumínio o que permite que os segmentos (construídos numa liga de aço-carbono) e os pistões do motor (construídos também em alumínio) consigam mais rapidamente “acamar” nas duas peças do que na época dos blocos de ferro.
A evolução e a rodagem do motor
O rigor construtivo atual leva a que a precisão com que os motores são concebidos e a eficácia dos lubrificantes tenha permitido menos preocupações com a rodagem das unidades motrizes dos veículos atuais.
Mas nos últimos anos, as coisas têm mudado um pouco, devido ao enorme aumento da complexidade tecnológica e ao maior esforço a que alguns componentes passaram a estar sujeitos, principalmente no caso dos motores Turbo Diesel.
Por isso, fazer uma rodagem com um mínimo de cuidado ao seu carro não é difícil, não custa dinheiro e só traz vantagens. A rodagem deve ser levada em conta tanto num motor novo como num motor acabado de reparar, mais especificamente mudança de pistões e segmentos, e neste caso há que ter ainda mais cuidado porque as tolerâncias são menos rigorosas num conserto do que no fabrico do veículo novo.
Consequências de uma má rodagem
Mas afinal o que poderá acontecer se a rodagem for mal feita? Os problemas mais comuns são a perda de óleo pelos segmentos, além do consumo ser superior, o lubrificante não vai chegar onde mais é necessário.
Se um segmento não se encaixa adequadamente nas ranhuras da parede do cilindro, mas cria atrito contra elas cada vez que um motor funciona, a parede do cilindro vai-se desgastar. Essa desadequação resultará na necessidade de novas peças de motor ou, em casos extremos, em todo o motor, dependendo da extensão dos danos.
Foto | Dale Chappell