Os peões com dificuldades de locomoção, em virtude da idade ou por padecerem de alguma lesão física temporária ou permanente, confrontam-se, inúmeras vezes, com problemas acrescidos para se deslocarem, dada a existência no ambiente urbano das chamadas barreiras arquitetónicas.
O conceito de uma cidade que seja efetivamente de e para todos ainda permanece muito na esfera do cenário ideal. Olhando para o que nos rodeia e para a realidade concreta de cada cidade ou demais localidades em que nos inserimos, facilmente se percebe que as pessoas com deficiência ou as pessoas com mobilidade reduzida sofrem muitíssimo mais do que as outras sem esse tipo de condicionamentos ou constrangimentos para poderem fazer coisas aparentemente tão simples como atravessar uma estrada (por causa dos lancis dos passeios que criam desníveis inultrapassáveis e pela inexistência de rampas) ou se deslocar calmamente ao longo de uma estrada (há carros estacionados, bem como postes e sinais plantados no meio dos passeios que impedem que uma cadeira de rodas avance). E isto são apenas dois exemplos. E não estamos aqui a abordar a questão das inacessibilidades a serviços de saúde, de educação, entre outros, “que inibem o exercício pleno de cidadania às pessoas que se encontram confinadas à rigidez dos seus espaços de dependência”, como refere Diana Carolina de Freitas Teixeira, Mestre em Gestão e Políticas Públicas pelo Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP) da Universidade Técnica de Lisboa.
Em Portugal estima-se que cerca de 6% da população total possua uma qualquer incapacidade. “Àquele valor há que acrescentar o número de pessoas com reduções temporárias de mobilidade (grávidas, lesões temporárias, etc.), bem como o acréscimo da população envelhecida, também ela potencial e crescentemente detentora de dificuldades de mobilidade”, sublinha esta especialista que deixa claro que apesar da acessibilidade constar “nos discursos políticos e presumíveis pretensões dos nossos políticos e dos nossos governos”, isso não é acompanhado da concretização de “acções que surtam os efeitos desejados na eliminação das limitações”.
Nesta “viagem” para vermos como sofrem os peões com limitações com as barreiras arquitetónicas, seguimos como “guia” as reflexões e o levantamento feito na completa análise “Igualdade de Oportunidades: Um Olhar Sobre as Barreiras Arquitectónicas à Acessibilidade” feita pela Mestre Diana Teixeira, do ISCSP.
É à sua importante tese de mestrado que onde fomos beber, e onde, com o devido e merecido tributo, retiramos o conteúdo que a seguir replicamos e que nos permite perceber como pode uma cidade criar condições para que os peões com limitações de mobilidade não sofram com as barreiras arquitetónicas e com obstáculos permanentes (como mobiliário urbano) ou temporários (obras).
As passagens de peões de superfície consideradas acessíveis devem ser niveladas, por forma a evitar movimentos desnecessários e esforços desproporcionados e a garantir o cruzamento seguro e confortável entre os passeios. Ainda assim, são admitidos como acessíveis os passeios cuja altura do lancil, em toda a largura das passagens de peões, seja inferior ou igual a 0,02 m, uma altura passível de ser ultrapassada de forma autónoma.
A altura do lancil deverá ser ainda constante em toda a largura da passagem de peões. As passagens de peões desniveladas poderão representar uma interrupção à continuidade do percurso, consubstanciando, não raras vezes, um fosso impossível de superar.
Na impossibilidade de ser introduzida uma rampa para vencer os desníveis, admite-se como possibilidade a utilização de escadaria na via pública com classificação de “Acessível Sem Dificuldade” acompanhadas por dispositivos mecânicos de elevação acessíveis (ascensores, plataformas elevatórias verticais, entre outros).
Por outro lado, nesta tese de Mestrado é ainda explicado que a inclinação nas passagens de peões pode também constituir, por si só, uma limitação. Segundo as normas de acessibilidade, o pavimento do passeio na zona imediatamente adjacente à passagem de peões deverá ser rampeado, com uma inclinação inferior ou igual a 8% na direcção da passagem de peões e inferior ou igual a 10% na direcção do lancil do passeio ou caminho de peões.
A sinalização tátil é considerada como uma prática facilitadora da mobilidade das pessoas com incapacidades visuais. A utilização de texturas ou de pinturas com cor contrastante, sendo a cor bordeaux considerada como a recomendada pela ACAPO (Associação dos Cegos e Amblíopes de Portugal) por permitir um maior contraste no ambiente e da sinalização tátil, para assinalar o inicio e o fim das passagens de peões.
Os semáforos nas passagens de peões devem estar dotados com o sinal verde aberto o tempo suficiente, para permitir a travessia das pessoas com dificuldade de mobilidade que necessitam de tempo adicional para o efectuar. O tempo deve ser calculado atendendo a uma travessia a uma velocidade de 0,4m/s, de toda a largura da via ou até ao separador central, quando exista.
Os semáforos devem ainda ter botoneiras a uma altura do piso compreendida entre 0,8 m e 1,2 m nos casos de semáforos de accionamento manual, com uma altura do piso compreendida na área de alcance manual para uma pessoa em cadeira de rodas.
Os semáforos devem estar equipados com mecanismos complementares que emitam sinal sonoro, quando o sinal estiver verde para os peões, de forma a permitir uma travessia segura e confortável para as pessoas com deficiências visuais.
Em termos de separadores centrais das rodovias , eles devem ter uma inclinação igual ou inferior a 2% e, em toda a largura das passagens de peões, uma dimensão entre 1,2 m e 1,5 m.
A largura dos passeios deve ter em conta a existência de mobiliário urbano, bocas-de-incêndio ou outros elementos contribuidores para a obstrução do passeio.
Assim, sendo 0,9 m a largura mínima para a circulação de uma cadeira de rodas, o passeio deverá possuir uma largura igual ou superior a 1,5 m, de forma a permitir a passagem em simultâneo de uma cadeira de rodas e de uma pessoa de frente. Com dimensões intermédias temos os passeios com largura entre 1 e 1,5 m, onde é possível a passagem conjunta de cadeira de rodas e de uma pessoa em perfil, e os passeios com largura entre 0,9 e 1m, cuja circulação em simultâneo de uma cadeira de rodas e de uma pessoa em perfil é impraticável.
Para uma circulação confortável e segura dos cidadãos na via pública, é imperativo ainda que os pisos e os seus revestimentos tenham uma superfície estável, durável e firme e com valores de inclinação de até 5% na direcção do percurso e de igual ou inferior a 2% numa inclinação no sentido transversal do percurso.
Levando tudo isto para o terreno, que localidades podem afirmar, a plenos pulmões e com integral propriedade, que são, efetivamente, feitas para todos os cidadãos?
Esta tese de Mestrado está ainda enriquecida com outras informações e pontos que deveriam merecer leitura atenta, sobretudo por parte de quem tem responsabilidades pela gestão, organização e definição do espaço público, razão pela qual colocamos aqui o seu link direto.
https://www.repository.utl.pt/bitstream/10400.5/3018/1/Tese_Diana%20Teixeira.pdf