O meio rodoviário comporta diversos pontos de circulação que condicionam a segurança comum. Tal deve-se ao facto de no meio rodoviário circularem diversos tipos de utilizadores, uns mais vulneráveis que outros, com diversas dimensões e comportamentos. Acontece que, em determinados espaços, as vias rodoviárias se cruzam com via ferroviárias, o que faz aumentar exponencialmente o risco de sinistro.
Algumas são as vezes, felizmente cada vez menos, em que sabemos de um caso de acidente envolvendo veículos, peões e comboios em espaço de passagem de nível. Ficamos a pensar qual a verdadeira razão que fez acontecer o referido acidente, pois as passagens de nível que conhecemos, habitualmente, têm guardas de segurança.
Acidentes em passagens de nível
Até à relativamente poucos anos, havia em Portugal um grande número de passagens de nível que não tinham qualquer tipo de barreiras de segurança. No entanto, nestes últimos anos, a entidade responsável pela gestão da rede ferroviária portuguesa, tem desenvolvido esforços no sentido de, não apenas acabar com essas passagens de nível sem barreiras de guarda, como também terminar com as que dispõem dessas barreiras de guarda.
Acontece que não será de todo possível reduzir a zero a existência das passagens de nível. Tal não será possível porque muitos são os locais em que a envolvência do meio não tem capacidade para a realização de obras que permitam a edificação de um viaduto ou de uma passagem subterrânea. Deste modo, vamos continuar a encontrar, por essas estradas de Portugal, alguns pontos de interseção entre vias rodoviárias e vias ferroviárias.
Muitos dos acidentes rodoviários que existem em passagens de nível são mortais. Tal facto deve-se à diferença entre a estrutura de um veículo e a estrutura do comboio, sua velocidade e força de impacto. Mas, continua-se, após cada acidente, a questionar-se da verdadeira razão de se ter dado, em determinado lugar, tal conflito. Sabemos que algumas vezes, principalmente quando envolve peões, se trata de suicídio. No entanto, outras tantas devem-se realmente a que factores?
Algumas das razões dos acidentes em passagens de nível
Enquanto profissional na área da segurança rodoviária, a certa ocasião e intrigado com as razões que envolvem os acidentes rodoviários em passagens de nível, fui estudar alguns casos e colocar-me mais atento aos testemunhos que se vão escutando com esses acidentes acontecem. testemunhos de pessoas no local, comentários da comunicação social.
Não sendo este meu “estudo” oficial e não querendo de modo algum intervir ou conflituar com outros oficiais, comecei a perceber que os envolvidos nesta tipologia de acidentes, ou eram pessoas que residem perto da passagem de nível onde se deu o sinistro, ou a utilizam habitualmente, ou eram idosos.
Ao aperceber-me disto e sabendo que funcionamos por hábitos, facilmente cheguei a uma primeira conclusão. As pessoas que vivem cerca das passagens de nível ou que as utilizam frequentemente, dispõem de um alerta biológico associado ao conhecimento do horário da passagem dos comboios na passagem de nível em questão. Ou seja, ao abordarem o referido espaço de confluência entre a via rodoviária e a ferroviária em período temporal definido por passagem de comboio, o seu despertador interno alerta-os para essa possibilidade, o que os leva a ativarem o seu estado de alerta para esse facto.
No entanto, se a abordagem ao espaço da passagem de nível for efetuado fora desse horário, o despertador biológico não atua, levando o individuo a baixar ou não atuar com a necessária segurança, nomeadamente diminuir a velocidade do seu veículo e olhar e escutar se se aproxima algum comboio. Esse estado faz com que o individuo aborde o espaço de conflito sem precaução, estando sujeito ao surgimento de um comboio que poderá estar com atraso de circulação. Vai dar-se o acidente, pois a diferença de velocidades é muito diferente, circulando o comboio por segundo muitos mais metros do que o veículo.
Habitualmente quem conhece uma determinada passagem de nível, julga que conhece o seu tráfego ferroviário. Acontece que esse tráfego rodoviário não se limita à passagem dos comboios comerciais de transporte de passageiros urbanos, sub-urbanos ou regionais. Estes são os que normalmente o horário está gravado no relógio biológico. Eventualmente os Inter-cidades ou Alfas.
Mas, não nos podemos esquecer que existem outros comboios, como por exemplo aqueles de mercadorias que estão ao serviço de diversas empresas, os de formação de novos maquinistas, os de manutenção e verificação das vias férreas e certamente outros serviços. Estes não se encontram gravados no despertador interno que dispomos e muitas vezes, é com estes que os acidentes se dão.
Outra causa de acidente deve-se ao facto de, ao abordarem passagens de nível sem barreiras de guarda, os condutores e peões, ainda que vendo o comboio, arriscam porque “ainda está longe e dá tempo” – dizem. Acontece que existe em Portugal um grave problema com uma enorme percentagem de pessoas, problema não muito observado por quem de direito, ou pelo menos pouco desenvolvido no seu estudo. Visão estereoscópica. Ou melhor, a falta dela ou sua diminuição.
A visão estereoscópica como causa
Fala-se que cerca de 60% dos condutores em Portugal têm problemas com a sua visão tridimensional. Uns com maior intensidade que outros, mas ainda assim o valor é elevado. esta visão tridimensional dá-nos a percepção de dimensões, distância e velocidade de deslocação. Ora, se temos problemas com esta visão, vamos ter problemas em analisar a que distância está o comboio e a que velocidade se desloca na nossa direção. E deste modo abordamos passagens de nível com uma errada segurança.
Por fim verifiquei também que muitos dos envolvidos em acidentes com comboios são peões, mas particularmente peões idosos. Tal deve-se essencialmente ao facto de, com o avançar da idade, as nossas capacidades auditivas, visuais ou de posicionamento em relação à via irem ficando mais reduzidas. Depois, ou não se dá conta do surgimento do comboio, ou dando-se, as capacidade de locomoção são tão débeis que não permitem uma rápida fuga ao espaço onde o peão se encontra.
Para que a sinistralidade rodoviária possa diminuir nas zonas de confluência entre vias rodoviária e via ferroviárias, devem os condutores absterem-se acto que possam promover o risco, eliminando a confiança excessiva em relação às passagens de nível que conhecem, procurando sempre que as abordam, terem um cuidado acrescido, não apenas em relação ao horário, mas também na certeza de que não se aproxima nenhum comboio. Porque se tal não acontecer vamos continuar a ter em nossas casas noticias de mais mortos resultantes de acidente em passagens de nível.
Em relação aos idosos, estes devem ser alertados para o facto das suas capacidades de alerta estarem, naturalmente, diminuídas, assim como as suas capacidades físicas e de locomoção. Só desta forma poderemos ter uma convivência mais sã com o espaço de circulação de comboios. Se ao se aproximar de uma passagem de nível com barreiras de guarda verificar que estas estão fechadas, então respeite-as. Se a passagem de nível não tiver guardas, respeite os sinais vermelhos de alerta. Pare, escute e olhe.
Foto ¦ Grzegorz W. T??ycki