Provavelmente, a maioria de vocês já ouviu alguém, seja um amigo ou até algum tipo de publicidade, recomendar encher os pneus com nitrogénio, em vez de com ar normal. Mas, será que isso é realmente benéfico? Ou será apenas mais uma forma de nos tirarem o dinheiro que tanto nos custa a ganhar?
Neste conjunto de artigos vamos analisar diferentes predicados sobre o tema, e verificar o que a Física tem a dizer sobre o assunto.
Temos que ter em conta que o ar natural, que respiramos normalmente, já é em grande parte constituído por nitrogénio (78%), sendo que a restante percentagem (21%) é composta por oxigénio e vestígios de outras substâncias (argão, dióxido de carbono, etc). Assim, quando decidimos “encher com nitrogénio”, na verdade, a diferença só está nesses restantes 22%, ou seja, pouco mais de um quinto da totalidade.
Encher os pneus com nitrogénio e a Física molecular
A maioria dos argumentos a favor do uso de nitrogénio baseiam-se na ideia de que “as moléculas de nitrogénio são maiores do que as de oxigénio”. Isso é correto, mas convém clarificar. Na natureza, os dois átomos dos dois elementos não estão separados. Pelo contrário – estão sempre em pares. Isto significa que o ar não é constituído por átomos de nitrogénio e oxigénio, mas sim por um conjunto de pares de átomos de nitrogénio, N2 e outro conjunto (mais pequeno) de pares de oxigénio, O2.
Na realidade, a distância entre dois átomos numa molécula não é tão óbvia como a distância entre dois objetos macroscópicos. Há diferentes métodos para definir essa distância, e cada um produz resultados diferentes (e todos esses resultados estão corretos, correspondem a definições diferentes). Vamos concentrar-nos naquilo a que chamamos de raio covalente, a definição que tem em conta a ligação química.
O diâmetro covalente de uma molécula de nitrogénio é de 146 picómetros, enquanto que o de oxigénio é de 132pm. Lembre-se de que em alguns locais as medidas surgem em micrometros, o que é incorreto, visto que um milhão de picómetros corresponde a um micrómetro. Então assim, na verdade, as moléculas são mil vezes mais pequenas do que o que é apresentado na informação.
Como pode verificar, a diferença é muito pequena – apenas 7%. Por isso, é de esperar que qualquer benefício que advenha do uso de nitrogénio ronde essa magnitude. E isso aconteceria se enchêssemos o pneu com oxigénio puro. Temos que nos lembrar de que só um quinto do ar corresponde a oxigénio, por isso, na realidade, o efeito estaria reduzido a essa proporção. Então, pela lógica,se o tamanho das moléculas contasse, o efeito seria de 1,4% (sete a dividir por cinco). Este efeito, apesar de não ser insignificante, é bastante inferior ao anunciado.
O tamanho da molécula de nitrogénio importa… mas não tanto
Vamos então, agora, questionar-nos se o tamanho da molécula implica verdadeiramente uma vantagem real. Os teóricos do nitrogénio puro apontam os seguintes motivos:
Como o nitrogénio é maior, vai ser mais difícil atravessar as fibras do pneu, e por isso a taxa de perda de pressão vai ser menor.
Esta parece uma afirmação bastante óbvia. No entanto, esconde uma rasteira. Lembremo-nos de que a distância a que nos referíamos é a distância entre os átomos de uma molécula. As moléculas assemelham-se mais ou menos a um haltere, como o que vemos na imagem acima. Os pesos corresponderiam aos átomos e o haltere em si corresponderia à ligação química.
Assim, o haltere que une os átomos de nitrogénio é um pouco mais comprido do que o que une os átomos de oxigénio. Agora imagine, se tivesse que passar esse haltere por uma porta estreita, ia passa-lo de frente, fazendo com que chocasse com a parede, ou rodava-o, de forma a transpô-lo longitudinalmente?
Não há dúvidas de que um haltere mais pequeno seria mais fácil de manobrar entre as estreitas fibras de borracha, mas, mesmo assim, o efeito não é assim tão relevante como o que pensávamos que poderia ser inicialmente. Definitivamente, não vamos encontrar uma diferença significativa na taxa de perda de pressão provocada por este fenómeno.
Como as moléculas de nitrogénio são maiores, preenchem melhor o interior do pneu.
Isto é completamente irrelevante. O gás não se coloca no pneu para que preencha o seu interior (como se colocássemos água), mas sim para exercer pressão. A pressão não é exercida ao encher um recipiente. É antes exercida através da colisão contra as paredes do mesmo.
Em primeiro lugar, temos que ter em conta o facto de que as moléculas são mesmo muito pequenas. Quando há uma pressão de duas atmosferas, a uns 25 º C, o volume ocupado por todas as moléculas do gás é quinze mil vezes menor do que o recipiente que o contém. Isto é, se as moléculas, de repente, não se movessem e caíssem para o fundo do pneu, iriam ocupar um espaço 15 mil vezes mais pequeno que o pneu em si.
No entanto, apesar de serem tão pequenas, movem-se muito rápido, a uma velocidade média de 1800 km/h. Por isso, quando atingem a superfície do pneu, produzem colisões muito fortes. São essas colisões que provocam a pressão no pneu. Neste processo, o tamanho concreto da molécula não interessa. A única coisa que importa é que haja uma quantidade suficiente de moléculas.
Como podem então concluir, as coisas não abonam a favor do nitrogénio. Mas há mais argumentos que devemos considerar a seu respeito. Vamos estudá-los num próximo artigo.