Vale a pena encher os pneus com nitrogénio? (2)

António Ferreira

11 de Junho de 2013

No capítulo anterior analisámos, do ponto de vista físico, uns quantos argumentos que muitas vezes são usados a favor do encher os pneus com nitrogénio puro, em vez de se usar o ar normal.

Até agora concentrámo-nos, principalmente, nos argumentos que têm a ver com os diferentes tamanhos das moléculas que formam os gases de nitrogénio e oxigénio. Porém, constatámos que alguns destes argumentos não têm fundamento em termos da física, e aqueles que têm não parecem ser suficientemente significativos para justificar os benefícios que se atribuem a esta prática.

Hoje, continuaremos com a análise, observando os aspetos químicos, termodinâmicos e psicológicos.

“O nitrogénio é um gás inerte, que não danifica nem o aro, nem o pneu.”

Uma substância é inerte quando, em contato com outras, não produz reações químicas. O nitrogénio está longe de ser inerte. A título de exemplo: 3% da massa do corpo humano é constituída por nitrogénio; trata-se de um elemento essencial na estrutura do ADN e das proteínas. Se o nitrogénio não participasse nas reações químicas, não era possível existir vida.

O que é certo é que o ar normal contém oxigénio, que é o segundo elemento mais reativo que existe (a seguir ao flúor). Trata-se, de facto, de um poderoso oxidante. Por isso, utilizar nitrogénio em vez de ar normal pode reduzir a oxidação da parte interior do pneu e da parte do aro que está em contacto com o interior da roda.

Encher os pneus com nitrogénio

Todavia, a maior parte do aro em si e o pneu continuam em contato com o ar e as intempéries, pelo que é difícil acreditar que uma roda chegue ao final da sua vida útil, por causa do desgaste, tanto interior como exterior. Para além disso, hoje em dia temos outras formas de evitar a oxidação (uso de materiais inoxidáveis, pinturas antioxidantes, etc).

É por isso que, apesar desta afirmação ter fundamento científico, a verdade é que estar a preocupar-se por causa disso, parece-nos um exagero.

É certo que, e de acordo com a Wikipediao nitrogénio é o terceiro elemento mais reativo que existe, logo a seguir ao oxigénio.

O nitrogénio aquece menos, pelo que a pressão se mantém mais constante.

Devo reconhecer que esta afirmação me perturba um pouco. Li-a em tantos sítios diferentes que quase que começo a duvidar daquilo que aprendi na Faculdade de Física.

Em primeiro lugar, todos os gases que se encontram em pressões baixas (e, no que diz respeito à física, a pressão a que se enchem os pneus é baixa) seguem de forma muito aproximada aquilo a que se chama de comportamento ideal. Assim, independentemente da composição do gás, o seu comportamento termodinâmico é sempre o mesmo.

No entanto, pode argumentar-se que, como já disse, isto se trata de uma aproximação, o que significa que vai gerar resultados muito semelhantes aos reais, mas não é 100% preciso. Isto é, gases diferentes podem ter comportamentos um pouco diferentes.

Mas quanto é um pouco? Vejamos. Mais uma vez, de acordo com a wikipedia, a 25 °C a capacidade calorífica do nitrogénio é de 29,124 J mol?1 K?1, ou seja, para subir um grau na temperatura de um mol de nitrogénio (um mol corresponde à quantidade de gás contida em 6.02214179 · 1023 moléculas) é necessário fornecer um pouco menos de 30 joules de energia. Por outro lado, a capacidade calorífica específica do oxigénio é de 29.378 J mol?1 K?1.

Como pode verificar, de facto, os números estão muito próximos, a diferença é apenas de 0,8%. Mas, para subir um grau na temperatura do oxigénio é necessária mais energia. Assim, apesar de quantidades equivalentes de nitrogénio e oxigénio absorverem a mesma energia, o oxigénio aquecerá menos.

Portanto, ou há algum pormenor que me escapa, ou esta afirmação é rotundamente falsa. De qualquer das formas, a diferença é ínfima, como previsto pela aproximação dos gases ideais.

Encher os pneus com nitrogénio

A mim, encheram-me os pneus com nitrogénio, e agora o meu carro anda tão suave como o rabinho de um bebé.

Apesar de estas avaliações subjetivas constituírem a mais poderosa forma de marketing que existe -o passa-a-palavra – a verdade é que carecem de valor científico. É o efeito placebo a funcionar: simplesmente por nos terem dito alguma coisa que promete ser benéfica, acreditamos automaticamente, e até juramos ver melhorias.

Para além disso, qualquer aumento na pressão dos pneus, ou o indicador do manómetro, que se perde a cada um ou dois meses, tem um efeito ligeiro no feeling do condutor. Se nos venderam recentemente as excelências do nitrogénio, então, provavelmente, vamos pensar que a mudança se deve ao grau de pureza do gás.

Para eliminar a questão do efeito placebo deste assunto, seria imprescindível realizar um ensaio cego. Isto implicaria reunir uma grande amostra de condutores, dizer a todos que os pneus iam ser enchidos com nitrogénio, mas fazê-lo apenas em metade dos pneus. Outra metade da amostra corresponderia ao grupo de controlo, que acredita que os pneus têm nitrogénio mas, na realidade, têm apenas ar normal. Se os resultados dos dois grupos são semelhantes, podemos concluir que não existem melhorias reais. Trata-se apenas de um efeito psicológico.

No próximo e último artigo desta minissérie vamos analisar mais algumas afirmações comuns sobre este tema, e recompilaremos tudo o que foi dito até agora, para chegar a uma conclusão final.

Fotos | fsse8infoEneas
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