Os antagonismos da indústria automóvel

Ines Carmo

16 March, 2017

Por que razão se produzem carros cada vez mais rápidos se a velocidade é uma das maiores causas de acidentes na estrada? Será a condução «desportiva» um vício tolerado? Se é um condutor de «pé pesado» e já nem consegue conduzir de outro modo, esta é uma reflexão que deve fazer.Nos dias que correm, nas chamadas sociedades desenvolvidas, já ninguém imagina o quotidiano sem automóveis. Estamos fortemente dependentes do veículo, quer no âmbito laboral, quer no social. E mesmo que vivamos numa cidade de tamanho já considerável onde a rede de transportes públicos seja suficientemente ampla para chegar a todo o lado, irá, como muitos dos cidadãos, continuar a preferir utilizar o carro particular para o que for possível, apesar de todos os inconvenientes que isso acarreta.


Em Portugal, já utilizamos carros há várias gerações, desde que os nossos avós e bisavós conseguiram ter o primeiro automóvel. Em três gerações, tanto o carro como a moto deixaram de ser um bem de luxo, para passarem a ser uma máquina de uso pessoal quotidiano muito arreigado na cultura e modo de vida, sendo, além disso, uma invenção que nos dá verdadeiros momentos de lazer e de liberdade.

Hobbies pacíficos

Sendo um setor com pano para mangas, há muito quem se dedique nas horas vagas às inúmeras variantes da área dos motores e automóveis: seja mecânica, tuning, passeios de moto, restauração de clássicos, TT, motocross, motos personalizadas, etc. Em geral, são hobbies que incidem na reparação, melhorias mecânicas, alterações estéticas, condução, etc. e são considerados hobbies mais ou menos pacíficos.

Até aqui tudo bem. De uma forma geral, são passatempos que não incomodam nem acarretam riscos, ou sequer o mau uso das vias públicas, pelo que até lhes podemos chamar de manifestação cultural.

Mas, como humanos que somos, temos uma capacidade inata para dar má utilização a qualquer coisa que nos chegue às mãos… e o automóvel não poderia ser exceção. Uma das diversões mais frequentes com um veículo motorizado é a condução a alta velocidade na via pública. E não estamos sequer a falar de organizar corridas ilegais ao sábado à noite numa zona industrial, referimo-nos ao hábito da condução desportiva ou rápida de que são adeptos inúmeros condutores, circulando muito acima dos limites legais de velocidades, sem ser por motivos de urgência, apenas por prazer.

 

Será um vício tolerado pela sociedade e promovido pelos fabricantes?

Esta atitude mais arriscada ao volante costuma esconder-se atrás do eufemismo da «condução desportiva», termo graças ao qual os motoristas e condutores de carros obtêm uma certa desculpa social para poder conduzir muito próximo dos limites dos seus carros e motos por simples diversão e, supostamente, infringindo regras e diminuindo as margens de segurança ao circular despreocupadamente em esquinas de ruas, curvas, mudanças de direção, rotundas, zonas residenciais, etc. São condutores cuja perceção do perigo se alterou com o hábito da velocidade. Em alguns círculos sociais, inclusivamente, há mesmo quem expresse admiração pelo amigo que tem mais habilidade a conduzir a alta velocidade. O caráter desportivo de muitos modelos, variantes e opções de equipamento quer de carros, como de motos, esconde a componente de perigo potencial que não interessa tornar explícita para não prejudicar as vendas do setor. Jantes, suspensões, volantes e bancos desportivos, versões com motores super potentes… são poucos os modelos do mercado que deixam de oferecer versões desportivas e nem sequer convém parar essa divertida faceta, porque pode causar uma diminuição na faturação dos fabricantes. Merece uma reflexão, esta dupla cara do setor automóvel, que por um lado vende segurança e, por outro, utiliza como argumento de vendas a potência e o espírito desportivo e fomenta a diversão na estrada, convidando os clientes a tirar partido de mecânicas muito potentes nas vias públicas.

A velocidade aumenta o risco e os danos

As estatísticas dizem que aproximadamente 40% dos acidentes mortais estão relacionados com uma infração de excesso de velocidade. Há correntes de opinião que põem em causa essas interpretações das estatísticas e que as qualificam de alarmistas, mas não se pode negar que a possibilidade de reação perante um acidente iminente diminui com a velocidade e que o dano provocado cresce exponencialmente com a velocidade, até ao ponto que sobreviver a um impacto a mais de 60km/h é improvável. Ver veículos que circulam a velocidades muito superiores aos limites legais em todo o tipo de estradas é demasiado habitual em ruas de localidades, cidades, estradas nacionais, regionais, estradas de montanha, etc. É claro que é mais divertido conduzir depressa do que devagar, mas as vias públicas estão financiadas e construídas exclusivamente para o transporte seguro de pessoas e de mercadorias e nunca para o prazer da condução veloz. Pense no exemplo de sociedades como a norte-americana, onde o respeito dos limites de velocidade é assombrosamente alto, aos olhos de um forasteiro ibérico ou mediterrânico, e não é isso que os torna propriamente num povo conhecido por se aborrecer ao volante.

Divirta-se, mas não se esqueça de respeitar os limites de velocidade!

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